Compilação de Constantino K. Riemma do site clubedotaro.com.br
A origem do Tarô continua em questão e são muitas as teorias propostas. Na verdade, porém, nada existe de idêntico em outras culturas, pintado ou impresso em cartões, que pudesse ter estabelecido um modelo direto para o jogo de 78 cartas que vem à luz, na Europa, no final do séc. 14. E os desenhos mais antigos de cartas que chegaram até nós são coerentes com a iconografia cristã dessa época. Se essa afirmação vale particularmente
para os 22 arcanos maiores, não cabe inteiramente para o conjunto das 56 ou 52 cartas do baralho sarraceno, já mencionado no séc. 14. Apesar desses desses dois indícios mais próximos cabe investigar a possível influência de outras culturas desse período histórico e, igualmente, o material resgatado de civilizações anteriores. Alguns estudiosos mostram as analogias entre o Tarô e o antigo jogo indiano do Chaturanga, ou jogo dos Quatro Reis, que correspondem aos quatro naipes das cartas de jogar. A quadruplicidade, no entanto, é a representação de uma realidade universal que transcende os dois jogos em questão. O Chaturanga, que data do séc. V ou VI, antecessor do moderno jogo de xadrez, originalmente tinha o Rei, o General (a Rainha moderna), seu Cavaleiro e os peões ou soldados comuns. Não há, porém, indicações consistentes de como poderia ter ocorrido um caminho entre esse jogo e o Tarô.
Chaturanga que data do séc. V ou VI, antecessor do moderno jogo de xadrez, originalmente tinha o Rei, o General (a Rainha moderna), seu Cavaleiro e os peões ou soldados comuns. Não há, porém, indicações consistentes de como poderia ter ocorrido um caminho entre esse jogo e o Tarô.
Cruzados ou árabes?
Há quem acredite que as cartas de jogar foram levadas para a Europa pelos cruzados. Contudo, a última Cruzada terminou mais ou menos em 1291 e não existem referências que comprovem a presença de cartas de jogar na Europa até pelo menos cem anos mais tarde. Uma justificativa para a origem sarracena das cartas é o nome espanhol e português naipe, que derivaria do árabe naibi. Também a palavra hebraica naibes se assemelha a naibi, o antigo nome italiano dado às cartas e, em ambas as línguas, a palavra indica bruxaria, leitura da sorte e predição. No entanto, não se encontram na história dos árabes e judeus referências ao jogo de cartas, anteriores aos século 15. Esse tipo de restrição histórica, no entanto, não invalida a hipótese de uma criação ou re-criação "multi-tradicional" do Tarô. Sabemos que, em especial na Penísula Ibérica, sábios cristãos, árabes e judeus, mantiveram uma criativa convivência durante o período em que o Tarô dá sinal de vida. Do ponto de vista das provas históricas, o que se pode afirmar com segurança é que os árabes utilizavam, já em meados do séc. 14, um baralho de 52 cartas, com estrutura idêntica aos que hoje conhecemos como "arcanos menores" ou "baralho". Sobre o baralho sarraceno, veja:
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O Tarô Mamlûk - o baralho árabe: apresentação de Bete Torii.
Origem cigana?
Igualmente discutível é a hipótese que associa as cartas de ler a sorte aos ciganos originários do Hindustão. Os registros disponíveis indicam que apenas no começo do séc. XV
esse povo começou a entrar na Europa. Sabe-se que em 1417, um bando de ciganos chegou às proximidades de Hamburgo, na Alemanha; outros relatos situam os ciganos em Roma, no ano de 1422, e em Barcelona e Paris, em 1427. Há, porém, claras evidências de que os grupos ciganos só estenderam suas peregrinações para o interior da Europa depois que as cartas já eram conhecidas ali há algum tempo. Povo nômade, recorria aos mais variados recursos e talentos para sobreviver. As mulheres particularmente utilizavam as artes mânticas para "ler a sorte" dos habitantes das comunidades que visitavam. Nessa área, a técnica tradicional mais importante parece ter sido a quiromancia (orientação e predição do futuro segundo as linhas e sinais das mãos) e, bem mais tarde, a cartomancia (utilização dos baralhos impressos na Europa). É esse um dos motivos pelos quais os ciganos ficam intimamente associados às cartas. Embora estissem afastados da tradição escrita e do conhecimento técnico de impressão das cartas os ciganos tiveram um grande papel na circulação e na difusão da cartomancia.
Origem egípcia?
A hipótese da origem egípcia do Tarô foi aventada por Court de Gebelin em sua obra, Le Monde Primitif analysé et comparé avec le monde moderne, publicada a partir de 1775.
Gebelin foi um apaixonado estudioso da mitologia antiga e estabeleceu inúmeras correlações entre os ensinamentos tradicionais e as cartas do tarô que, segundo ele, seriam alegorias representadas em antigos hieróglifos egípcios. Um ponto, no entanto, não pode ser esquecido: embora existam necessariamente similaridades entre as linguagens simbólicas mais consistentes, isso não quer dizer que tenha existido influência direta de uma sobre a outra. O significado das correspondências entre linguagens simbólicas constitui um tema delicado. Nem sempre é possível chegar a uma conclusão, pois similaridades e correspondências não querem dizer, necessariamente, que tenha havido cópia ou simples adaptação de uma cultura nacional para outra.
Court de Gebelin(1725-1784)
A favor da correção intelectual de Court de Gebelin, é importante lembrar que as cartas utilizadas por ele continuaram a ser as do Tarô clássico. Ele não falsificou nem inventou um "baralho egípcio" para justificar suas hipóteses. Sómente após a publicação de seus estudos é que começaram a aparecer baralhos desenhados com os motivos egípcios, descompromissados com a história comprovável desse desafiador jogo de cartas.
Reprodução das cartas 17-Estrela, 18-Lua e 19-Sol, que acompanharam o famoso trabalho de Court de Gebelin, publicado em 1781.Ele próprio não redesenhou o Tarô com motivos egipcios...
Seja como for, é com Gebelin que se inicia a divulgação de textos e de estudos que assinalam um sentido mais alto para o Tarô, como uma linguagem simbólica, como um meio de transmissão dos conhecimentos esotéricos, espirituais, que vai muito além de sua utilização como jogo de baralho.
Múltiplas influências
A maior parte dos estudiosos reconhece uma origem iniciática do Tarô, ou seja, ele traduziria o significado e as propriedades do Cosmo, bem como o do papel do homem na Criação. Seria produto de uma Escola (escola dos criadores de imagens da Idade Média, como sugere Oswaldo Wirth). Nessa direção de pensamento, o Tarô seria uma criação de Escolas francesas e/ou italianas, no final do séc. XII, sem qualquer relação com indianos ou chineses. A favor desse ponto de vista pesa o fato de que não se encontram, em particular, jogos iguais aos arcanos maiores em qualquer outra civilização.
Boa parte das imagens do dos arcanos maiores do tarô clássico guarda íntima relaçãocom a iconografia cristã presente nas catedrais góticas, construídas a partir do séc. XI
[Ilustração da mandorla: www.pitt.edu]
Há muitos estudos que apontam as relações entre o Tarô e Cabala. De fato, as 22 lâminas dos “trunfos”, ou “Arcanos Maiores”, são em igual número ao das letras do alfabeto hebraico e ao dos 22 “caminhos” ou conexões entre os sefirot do desenho simbólico denominado “Árvore da Vida”. As 40 cartas numeradas, dos Arcanos Menores, representam o mesmo número de sefiroth da "Escada de Jacó", esquema resultante da superposição de quatro "Árvores da Vida". Tal constatação, porém, não exclui a hipótese de contribuições árabes, que tiveram um forte e prolongado impacto, através do sufismo, sobre a mística cristã, em particular na Península Ibérica.
Um período de ouro
Não é implausível, para alguns autores, imaginar o nascimento do Tarô por volta de 1180, período de grande força criativa na Europa, embora as primeiras menções registradas ocorram apenas duzentos anos após, em 1391. A razão para isso, segundo eles, seria simples: na origem, o Tarô não tinha a função lúdica de jogo de paciência ou de apostas em dinheiro, mas desempenhava o papel de estimular a reflexão pessoal sobre o caminho espiritual. Desse modo, ele não poderia ser mencionado como jogo de lazer nas crônicas da época.
“A essência do Tarô – escreve Kris Hadar – se funde maravilhosamente à mística que fez do séc. XII um século de luz, de liberdade e de profundidade da qual não temos mais lembrança. Nessa época, a mulher era mais liberada que hoje."
É no correr desse período que são erigidas as catedrais góticas, em memória da elevação do espírito, e que aparece igualmente a busca de um ideal cavalheiresco que alcançará sua perfeição graças aos trovadores e o Fin’Amor, que colocará em evidência a arte de crescer no amor.
Para corroborar tal ponto de vista, pode ser lembrado que nesse mesmo período se desenvolvem os primeiros romances iniciáticos sobre os cavaleiros da Távola Redonda, a lenda do Rei Artur e a Demanda do Santo Graal. Contemporâneo dos primeiros romances, o Tarô poderia ser considerado como um dos livros sem palavras (comuns na alquimia) para a reflexão e a meditação sobre a salvação eterna e a busca de Si, mesmo para quem não soubesse ler. Era uma porta aberta à verdade, tal como as catedrais, que permitiam aos pobres e aos ricos crescerem na comunhão com Deus. “O Tarô” – afirma Kris Hadar – “é uma catedral na qual cada um pode orar para descobrir, no labirinto de sua existência, o caminho da Salvação”.
Paralelos do Tarô com outros jogos
Quando deixamos de lado as tentativas – algumas delas forçadas – de encontrar para o tarô uma origem necessariamente fora da Europa, em outras culturas e povos, abre-se um outro campo muito atraente para os estudos simbólicos. Tal como foi mencionado mais acima, a propósito da similaridades entre o Tarô e o jogo indiano do Chaturanga, os estudos comparativos permitem reconhecer princípios básicos e universais que estão presentes em diferentes jogos criados em culturas diversas sem que houvesse um contato próximo entre elas, sem que uma expressão em dado contexto cultural tenha sido necessariamente copiado de outro. Podemos encontrar provas de que o conhecimento das leis primordias se revela por caminhos criativos e renovados.
Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer.É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade.Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luis de Camões
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